Se o Padre António Vieira procurasse a palavra antologia nos dicionários do seu tempo, não a encontraria na lista de entradas portuguesas. Nem florilégio, nem seleta, nem inúmeros termos latinos que os eruditos se tinham habituado a usar em vernáculo. Não estranharia a ausência, pois, faltavam grande parte dos termos das artes, dos ofícios, e até muitas palavras de uso comum. As palavras portuguesas que lá se encontrassem eram as indispensáveis para ajudar a ler, interpretar e traduzir latim, e antologia não era uma delas.
Os sermões de Vieira eram lexicalmente mais estimulantes do que qualquer dicionário.
O século XVIII iniciou-se com a expectativa do aparecimento de um dicionário que desse conta da riqueza da língua portuguesa. O padre Rafael Bluteau (1638-1734) anunciara há vários anos o comprometimento com esta tarefa e em 1712 saiu o primeiro volume do Vocabulário Português e Latino, cuja publicação apenas se completaria em 1728. Dedicou 30 anos a compor esta obra ambiciosa, plasmada a partir dos dicionários académicos, para satisfazer os leitores eruditos na dupla perspetiva da documentação e do entretenimento. Anotou as palavras da vida quotidiana, da população anónima e das elites; testemunhou os diálogos os discursos que repercutiam uma Lisboa enriquecida, a consolidação do poder real de D. João V, a confluência de culturas e de atividades profissionais numa capital cosmopolita; registou ainda os ecos de horizontes distantes e exóticos, com inevitáveis preconceitos culturais, mas também com exaltação pelo progresso do conhecimento e pela notícia dos novos mundos. Observador dotado de uma rara competência plurilingue, pôde coligir um amplo vocabulário comum e ainda os nomes de novos povos, países, cargos, profissões, objetos comerciáveis, animais, plantas, medicamentos, luxos e divertimentos, em surpreendentes artigos de dicionário, redigidos como peças de oratória. Compôs o mais extenso repositório da memória da língua até ser progressivamente substituído pela obra moderna de Morais Silva.
Esta antologia pretende ser um roteiro da vastíssima informação que o Vocabulário oferece para a compreensão da língua portuguesa e do pensamento linguístico do século XVIII. Os estudos linguísticos são apenas um dos domínios em que o dicionário de Bluteau se constitui como documento histórico inestimável. Ele revela o modo como a língua portuguesa era percecionada por um aprendente estrangeiro, sensível à variedade de registos, aos testemunhos da diacronia, ao património literário, à inovação lexical e ao diálogo com a língua latina.
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